sábado, 6 de janeiro de 2024

“Recordemos a “Janeiras” em Salvador”


Por: José Morais

Fotos: enviadas por Flávio Simão

A aldeia de “Salvador”, sempre teve a tradição das “Janeiras” depois de se ter deixado o ano velho, entrava-se no novo ano, onde o tempo era de cantar as “Janeiras”, e para celebrar as mesmas, juntavam-se grupos de tocadores e cantadores de ambos os sexos, onde graúdos e pequenos se manifestavam espontaneamente, naquela que era uma das principais tradições portuguesas, muito em especial da Beira Baixa.

As “Janeiras” são celebradas no primeiro mês de cada ano, e eram cantadas de porta a porta, principalmente no primeiro dia do novo ano, e na véspera do dia de Reis, sendo uma tradição muito antiga, que remota de tempos muito difíceis dos mais necessitados, em séculos passados, onde a fome e a miséria existia no povo, altura em que as terras pertenciam a uma minoria muito pequena dos mais pobres, e onde no inverno, a estação do ano onde a produção de alimentos que a terra dava era mais reduzida, e martirizava o povo mais desprotegido, tendo o mesmo de recorrer à mendicidade, para poder sobreviver.


Assim, as “Janeiras” foi a forma que o povo encontrou para poder chegar aos senhores abastados, onde eram louvadas as suas qualidades humanas, tentando assim que os mesmos lhes dessem algo de esmola.

Porem, com o passar dos tempos, e onde a pobreza ia diminuindo, e a fome ia sendo reduzida, as “Janeiras” foram evoluindo, tornando-se em peditórios, tentando angariar alguns produtos, os quais no final de cada dia que andavam de porta a porta a cantar as “Janeiras”, o grupo juntava-se para fazer uma divertida pândega com o que tinham angariado.

Os grupos percorriam a aldeia de uma ponta à outra nas noites geladas de janeiro, onde eram escolhidas as casas de balções altos, e dos senhores mais abastados, onde paravam, e cantavam as canções tradicionais a pedir as “Janeiras”, entoando quadras que vinham de tempos remotos, onde o seu tom de respeito e louvor ilustravam bem o mesmo.

Deixamos agora aqui as ditas quadras tradicionais da nossa aldeia de “Salvador”

 

Inda agora aqui cheguei,

Já pus o pé na escada:

Logo o meu coração disse

Que aqui mora gente honrada.

 

Viva lá minha senhora,

Raminho de salsa crua.

Quando chega à janela,

Poe-se o sol e nasce a lua.

 

De quem é aquele chapéu,

Que além está dependurado?

É do dono desta casa,

Que é bonito como um cravo!

 

Levante-se daí senhora,

Desse banquinho de prata.

Venha-nos dará as Janeiras,

Que está um frio que mata:

 

Alegrai-vos companheiros,

Que eu já sinto gente a andar:

É a senhora desta casa,

Que nos vem a convidar.

 

Boas noites, meus senhores,

Boas noites vimos dar,

Vimos pedir as Janeiras,

Se nos as quiserem dar.

 

Viva lá ó senhor António,

Raminho de bem querer.

Traga a chave da adega,

Venha-nos dar de beber.

 

Ó que estrela tão brilhante,

Que nos vem a alumiar.

É a senhora da casa,

Que está sentada a fiar.

 

Levante-se daí senhora,

Desse banco de cortiça.

Venha nos dar as Janeiras,

Ou morcela ou chouriça.

 

Obrigado e até pró ano,

Que havemos de voltar.

Agora vamos embora,

Que temos muito que andar.

 

Estas eram as belas quadras cantadas para todos aqueles que abriam as suas portas e doavam bens, porem…existia também sempre uma segunda opção, esta que era dedicada aos senhores abastados mais forretas e agarrados, sendo uma forma de punir os mesmos, aqueles que ignoravam, e recusavam abrir as suas portas, e dar algo para quem cantava as “Janeiras”, onde os grupos cantavam assim também uma bela quadra de repudio…

 

Ó que casa tão alta

Toda feita de madeira.

Aos senhores que cá moram,

Deus lhes dê uma caganeira.

 

Esta, uma tradição que a nossa aldeia de “Salvador” ainda mantem, porem, noutros moldes, e com outra alegria.

Bem-haja a todos.

 

Nota: Este artigo possui alguns excertos do livro “Salvador Barquinha D’Oiro”, cedido gentilmente pelo nosso conterrâneo “Albertino Calamote”, o qual agradecemos a sua gentileza, obrigado.