Por: José Morais
Fotos: Flávio Simão
Com o aproximar do “Natal”,
uma grande parte das populações das aldeias e vilas portuguesas envolvem-se
numa milenar festa comunitária, tendo como atração o “Madeiro”, uma grande “Fogueira” que
por norma é colocada no adro da igreja ou praça principal consoante o espaço
disponível, que normalmente é aceso na véspera de “Natal” ao final da noite,
antes da realização da missa do galo da meia-noite, e onde o mesmo é mantido
aceso por muitos dias, onde às vezes chega até ao Dia de Reis.
Salvador não foge à regra
desta tradição secular, e mais um ano a mesma é realizada, e o “Madeiro” já
se encontra junto à igreja, esperando a véspera de Natal para ser aceso, e
aquecer os Salvadorense e todos os que desejarem.
Reza a história em Salvador, que
o “Madeiro” na nossa aldeia
tem uma grande tradição, sendo um hábito muito antigo, e cumprido rigorosamente,
e estava a cargo dos rapazes que iam às “Sortes” (inspeção militar), porem, indiretamente qualquer
Salvadorense poderia participar, sendo o dia 8 de dezembro para o irem buscar e
colocar junto à igreja.
E nesta tradição, eram os “Mancebos” que conseguiam juntar os maior número de troncos para a enorme “Fogueira” para aquecer o “Menino”, e animar a população, porem de referir que muitas casas abastadas da aldeia, ofereciam algumas arvores que iam secando nas suas propriedades, mas, isso em nada impedia de que fossem furtados mais alguns troncos, contra vontade dos seus donos, mas esta atitude fazia parte da tradição, o que valorizava a coragem e a ousadia do grupo desse ano.
Na altura, os carros de bois
eram os utilizados para o transporte dos troncos, e também eles eram
surripiados (furtados) para o efeito, mas, roubar as juntas de bois era mais
complicado porque dormiam nos estábulos ou palheiros, mas isso não era
importante, porque sem elas também o grupo passava, já que os braços eram muitos,
com muitos voluntários, com o grupo a puxar e a empurrarem os carros carregados
de troncos, já que fazia parte da importante tradição, pela animação e divertimentos
que assim o permitia.
E à medida que os carros iam
chegando ao “Povo” (aldeia), os mesmos eram recebidos com cantorias,
tocadores de concertinas e de urras, onde alguns até vinham encavalitados nos
troncos, enfeitados com ramos de laranjeira, com os mais pequenos a pularem e a
cantar, onde não continham a alegria nem o entusiasmo, porem, para os mais
velhos, abriam alas para analisar o “Madeiro”,
comentando a iniciativa dos rapazes desse ano, onde deixava saudade nos mesmos
ao lembrarem-se do seu tempo.
Era a tradição de acender o “Madeiro” na véspera de Natal de 24 para
25, para depois aquecer todos após a “Missa
do Galo” depois da meia-noite,
porem, manter o mesmo intacto até ao dia de ser acesso, era difícil, já que a
garotada não parava enquanto não o acendesse, conseguindo iludir a vigilância dos
mais velhos, onde arranjavam brasas, palha centeia, ou um feixe de gravetos, e
lenha miúda, colocavam sobre os troncos para arder, depois com uma cana longa
sopravam, para começar a arder o “Madeiro”.
E com estas travessuras dos
mais novos, às vezes o “Madeiro” ardia, o os mesmos davam grande animação, já que
avivavam as chamas, as quais libertavam milhares de fagulhas, fazendo estalos nas
brasas.
Com a grande “Fogueira” a arder, os Salvadorenses faziam roda à sua volta, conversavam, contavam histórias, entoavam cânticos, e relembravam outros Natais de antigamente, mas existiam outras tradições, alguns levavam alguma febra ou chouriço, uma fatia de pão para torrar, e depois esfregar azeitonas ou alho, havendo ainda aqueles que levavam uma pazada de borralho, para encherem a braseira, para passar o serão em casa,
Porem, após a noite de Natal,
a manutenção do “Madeiro”
dependia da vontade dos voluntários do grupo das sortes em o manterem aceso,
existe memória de muitos que rapidamente ardiam, mas noutras alturas chegava
até aos Reis, esta seria a data que normalmente deveria chegar o “Madeiro”.
Esta, é um pouco da tradição
do “Madeiro” em Salvador, deixamos a seguir a origem do mesmo.
A origem
do madeiro
A origem do “Madeiro” é “Pagã”,
estando ligada às celebrações Celtas do “Solstício” de inverno, onde se
acendiam grandes fogueiras ao ar livre durante o mês de dezembro, este que foi
um dos costumes “Pagãos” que a igreja católica adotou, passando
então a ideia de que as ditas fogueiras seria para aquecer o “Menino Jesus”, unindo assim as pessoas
para as celebrações natalícias.
Com esta esta tradição,
juntava-se assim as pessoas, acendendo o “Madeiro” ao final da tarde, e já noite, e após a “Missa do Galo”
depois da meia-noite, os habitantes das aldeias ou vilas, reuniam-se à
volta da grande fogueira, onde festejavam e entoavam cânticos de Natal.
Ainda hoje muitos se
interrogam acerca das origens milenares desta tradição, e pelo que se sabe,
elas não se encontravam estritamente ligadas ao dia do “Nascimento de Jesus”, o qual é
desconhecido, porem, uma festa “Pagã” em honra do “Natal”,
foi introduzida pelo Imperador Aurélio no ano de 274, em todo o império romano.
A mesma era uma festa solar, que tinha como finalidade assinalar o culto, o Solstício de inverno, numa altura em que a luz do Sol renascia, vencendo assim a escuridão, das noites escuras e frias.
Porem, com esta cerimónia
religiosa, o Imperador tinha dois objetivos, um o de centralizar os vários
cultos, no culto do “Deus-Sol sírio”,
e ainda a união do império, já que existia na altura sinais de crise, com a
chegada dos povos germano-bárbaros, com o fim de imunizar os cristãos da força
atrativa da festa “Pagã”, já
que se desconhecia ao certo quando “Cristo”
tinha nascido, a igreja de Roma, no dia da referida festa, era celebrada a 25
de dezembro, e a mesma decidiu colocar esse dia o nascimento do “Salvador”, como sendo a “Luz do Mundo”, dado que para os primeiros
“Cristãos”, o “Sol Invencível” não era o “Deus Pagão”, mas sim, a pessoa de “Jesus” que
veio ao mundo, “A verdadeira luz que
iluminava o homem”,
porem, tentou-se batizar esta festa “Pagã” que ao longo dos séculos se foram integrando
pacificamente ou não, na tradição “Pagã”.
A partir de “Festas Pagãs” pré-existentes ao
cristianismo, ao longo dos tempos, surgiram novas interpretações das mesmas,
embora permanecendo, em geral, o essencial, mas à medida que se alteravam as
conjunturas económicas, sociopolíticas e religiosas, a tendência como se pode
verificar, era o de se irem produzindo mudanças, mais ou menos profundas, na
vida dos povos.
Atualmente, e devido a imensas
influências mundiais, a “Festa de Natal”
tem sofrido nas últimas décadas profundas alterações, oriundas das mais
diversas proveniências e culturas, porem, por outro lado a pressão da
globalização, com a tendência a nivelar os comportamentos e as culturas,
propondo ardilosamente, alternativas, estilos de vida e de consumismo, porem,
atualmente vivemos numa civilização consumista-capitalista, o que somos
abafados por imensas propostas de consumo, que são promovidas pelas gulosas
multinacionais.
Com a secular tradição do “Madeiro”, o interior, e em especial as “Beiras”, onde tudo leva a crer que a sua origem se integra num longo e profundo processo da romanização que atingiu todo o império romano na passagem dos romanos pelo nosso país.
Porem, que nos reserva o
futuro nesta “Festa Pagã”, e
como tem vindo a acontecer com outras tradições populares seculares, em vez da
atual festa comunitária do tradicional “Madeiro
de Natal” do povo para o povo, pode vir-se a tornar-se em
eventos de atração turística, porem, não as devemos desprezar, tornando um
cartaz de promoção de turismo local, em especial por terras beirãs, que as
mesmas se encontram numa galopante desertificação humana.
Infelizmente, já no interior
do país existem dificuldades em encontrar pessoas com capacidade de colaborarem
no “Madeiro de Natal”, onde em
muitos locais restam as autarquias virem a assumir a tradição, o que acontece
já em muitos casos para manter essa tradição secular, que está em perigo de
extinção.
Temos por exemplo o nosso
concelho, onde na “Vila de Penamacor”, a
autarquia também colabora e divulga para atrair gentes das redondezas e de
outros pontos do nosso país, naquele que talvez seja já o maior e mais famoso “Madeiro de Portugal”, de salientar que o
mesmo é ateado no dia 23 de dezembro e não na véspera de Natal, ficando acesso
por vários dias, e onde quase todo o mês existe festa, muita animação, e
atrativos para visitar “Penamacor”.
Esta, a tradição que ainda se
celebra em “Salvador”, e se
espera que seja por muitos e muitos mais anos.
Um bem-haja para todos, e Boas
Festas.
Nota: Este artigo possui
alguns excertos do livro “Salvador Barquinha
D’Oiro”, cedido gentilmente pelo nosso conterrâneo “Albertino Calamote”, o qual agradecemos a
sua gentiliza, obrigado.
Sem comentários:
Enviar um comentário